No dia 22 de maio de 2012, às 09h e 15min, teve início o Encontro do
Grupo de Estudos Independente da Educação Física na Educação Infantil. Ele
contou com a presença de quinze (15) professores, bem como de uma bolsista do
Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (UFSC/CNPq). O
Encontro foi coordenado pelo professor Dr. Jaison José Bassani (DEF/CDS/UFSC) e
teve como objetivo discutir aspectos da relação entre os Núcleos de Ação
Pedagógica e a Educação Física, especificamente o tema Relações sociais e culturais: contexto espacial e temporal; identidade
e origens culturais e sociais.
Jaison deu início ao encontro se apresentado e em seguida expôs a
dinâmica de trabalho. Os temas a serem discutidos e pensados foram separados em
cinco (5) momentos, sendo:
1º - Elementos
que envolvem o NAP: relações sociais e culturais;
2º - Três
conceitos: cultura, socialização, culturas infantis;
3º - Educação
Física e relações sociais e culturais: técnicas corporais e os usos do corpo;
4º - Educação
Física, Pedagogia e relações sociais e culturais: intersecções;
5º - Educação
Física e relações sociais e culturais: o trabalho pedagógico com a(s)
cultura(s) corporal(is).
Em seguida foi perguntado aos professores o que lhes parecia esse plano
inicial, a resposta foi: “Ambicioso!”. Jaison destacou que tentaria contemplar
todo o planejamento, mas que iria debater até onde fosse possível, não
necessariamente encerrando-o naquele momento.
Primeiramente foi perguntado aos presentes se todos tinham conhecimento
ou algum contato com o NAP em questão, sendo a resposta “sim”. Depois de uma
breve conversa sobre o conhecimento e estudo dos professores sobre ele, Jaison
diz que a idéia de encontrar Núcleos ou eixos é uma forma de garantir uma
relação dialética entre a dimensão do cuidado e da educação, tendo em mente que
eles transpassam os trabalhos dos diferentes profissionais da instituição.
Esse NAP tenta contemplar a diversidade cultural e social que caracteriza
os sujeitos que frequentam as instituições. As discussões que são feitas
pontualmente em torno desse Núcleo têm uma conexão bastante forte com os
debates contemporâneos das Ciências Humanas e Sociais, tendo como reflexo a
discussão pedagógica sobre o papel da escola e instituições educacionais na
transmissão e produção cultural.
A escola surge em meados do século XVIII como uma instituição responsável
por promover uma conexão social a partir de uma cultura unitária, comum a um povo,
aparecendo como importante na construção das identidades nacionais, tornando-se
guardiã de um determinado acervo cultural. Essa discussão contemporaneamente
passa a ser fortemente tematizada pela idéia de que temos outros registros e
formas de produção cultural desvalorizadas no âmbito dos projetos da
constituição dos Estados Nacionais. Isso resulta no silenciamento de um
conjunto de vozes na construção da relação entre escola, nação/estado e
cultura.
Para Jaison não somente esse NAP, mas as discussões contemporâneas no
âmbito das Ciências Humanas e Sociais, tentam mostrar a dificuldade do
estabelecimento de um critério objetivo para selecionar e hierarquizar os
diferentes registros culturais, justamente pela ampliação do conceito de
cultura. Tentando pensar sobre as diferenças socioculturais, nesse NAP fala-se
do respeito à diversidade, à alteridade, às crenças, às relações estabelecidas
entre os grupos, com o próprio corpo, à constituição das famílias. Também chama
a atenção para os elementos que de modo geral estamos bastante acostumados a
observar no âmbito do trabalho pedagógico, ou seja, a multiplicidade de
sujeitos, culturas, registros sociais, no universo da Educação Infantil.
Em seguida foi mostrado um recorte do NAP Relações sociais e culturais
que diz: “As famílias representam o primeiro espaço de socialização dos bebês,
ainda que a partir de um determinado momento esse processo seja compartilhado
com outras instituições. É na família que as crianças constituem as primeiras
formas de significar o mundo e de se reconhecer como parte de um grupo.”
Jaison nos alerta que existem diversas formas de conjugalidade no
contemporâneo, sendo múltiplos os modos de construção dos relacionamentos, que
não são mais apenas os casamentos entre homens e mulheres. As famílias tem se
reconstituído atualmente em função de aspectos sociais e econômicos,
ampliando-se, retornando com maior força a idéia de comunidade em torno dela,
variando em alguns registros sociais, extratos econômicos, em determinados
locais. Vemos famílias numerosas compostas não somente pelo pai e mãe, mas
também pelos avôs, irmãos, primos, tios. Podemos perceber que as famílias
possuem diversos arranjos, formas de se constituir, de ver se relacionarem seus
componentes, com diferentes papéis sociais, tendo interferência direta na
construção da identidade do indivíduo que nela convive, influenciando na forma
como ele se reconhece no pertencimento a um grupo.
Observamos nas instituições educacionais a reconfiguração das famílias em
função de uma série de rupturas sociais, culturais, políticas vividas nos
últimos sessenta (60) anos, algo que foi alterando progressivamente os papéis
sociais. Esse movimento de reconstrução influencia nas identidades individuais
e coletivas. Devemos pensar como esses fatos criam demandas específicas,
diferentes para o trabalho pedagógico no atendimento aos pequenos. Como possui
interferência no modo de organizar as atividades, os tempos e espaços
institucionais. É para essa inquietação e reflexão que o Núcleo tenta chamar
atenção.
Outra citação do NAP é apresentada ao grupo: “Ao olharmos a composição
dos grupos infantis nas instituições, não estamos a frente de um conjunto de
crianças e adultos que se diferenciam somente pela idade com determinadas
características biológicas, mas sim frente a sujeitos sociais constituídos e
pertencentes a uma etnia, uma geração, um gênero, a uma cultura, aspectos que
atravessam a composição das relações e a própria constituição dos
seres-humanos, meninos, meninas, negros, brancos, asiáticos, indígenas,
brasileiros, estrangeiros, moradores e moradoras do interior da ilha ou do
centro urbano, católicos, evangélicos, do candomblé. Sujeitos constituídos por
fatores sócio-culturais que os tornam ao mesmo tempo singulares, mas
pertencentes a determinados grupos.” Jaison nos chama atenção para o fato de que
mesmo pertencendo a uma mesma sociedade, cidade, pode-se ter um conjunto de
relações que singularizam e diferenciam o sujeito. Portanto, temos no interior
do tecido social distintos grupos que constroem suas identidades a partir de
diferentes relações e elementos, um deles certamente muito forte há anos é a
religião. Variados grupos constituem uma unidade educacional e a pergunta é se
de fato possuímos uma instituição única, considerando esses diversos grupos
sociais. A partir disso podemos refletir sobre as práticas pedagógicas dos
docentes e a conduta institucional. Por exemplo, comemorar ou não a Páscoa?
Festa Junina? E os feriados nacionais que têm como base a religião católica?
Após a pausa para o lanche, Jaison prosseguiu, referindo-se agora aos
conceitos de cultura, socialização e culturas infantis. Inicialmente o foco foi
nos variados sentidos, significados e usos da palavra cultura. Seu
intuito foi mostrar esses usos e desnaturalizar um pouco as noções. Começou
mostrando usos cotidianos do emprego da palavra em destaque.
Podemos dizer assim: “Pedro é muito culto, conhece várias línguas,
entende de arte e literatura.” Ou “Claro que Pedro não pode ocupar o cargo que pleiteia,
não tem cultura nenhuma, é um semianalfabeto.” Essas duas frases identificam
cultura como posse de determinados conhecimentos, como de línguas, arte,
literatura, ou vinculados à alfabetização, sendo isso um elemento
caracterizador da cultura, aparecendo ela como sinônimo de algo superior,
causando uma distinção entre indivíduos. O ministrante alerta que esse sentido
de cultura não tem qualquer relação com o conceito que gostaria que
entendêssemos. A terceira frase destaca a idéia de uma cultura própria de
determinada coletividade, como franceses, alemães ou brasileiros. Podemos
observar que a cultura significa uma identidade coletiva, havendo comparação
entre várias.
É preciso considerar cultura e diferenças sociais – cerne das discussões
do NAP, sobretudo em um país como o Brasil, em que diferenças econômicas e
sociais são muito grandes, onde a cultura é, portanto, uma maneira de
identificar e distinguir os indivíduos e grupos sociais, legitimando as
desigualdades sociais.
Na frase seguinte é possível observar uma vinculação entre cultura e
diferenças sociais, quando é falado em cultura de massa e de elite, “Ouvi uma
conferência que criticava a cultura de massa, mas me pareceu que a conferência
defendia a cultura de elite. Por isso, não concordei inteiramente com ela.” (Adaptado
de CHAUÍ, 2000). Podemos perceber a
distinção e valorização de maneira diferente dos tipos de cultura, sendo a de
massa referente ao povo, conjunto da população não pertencente à elite. Essa
separação é consequência de uma sociedade fragmentada.
Outro sentido que pode ser encontrado para a palavra cultura é quando
utilizada para referenciar uma etnia, como na frase “O livro que estou lendo
sobre a cultura dos guaranis é bem interessante. Aprendi que o modo como
entendem a religião e a guerra é muito diferente do nosso.” (Adaptado de CHAUÍ,
2000). Aqui se fala dos guaranis e seus
costumes, ações, modo de vida.
Há vários significados para a palavra cultura, empregamo-la e a seus
derivados de diversas maneiras na nossa linguagem cotidiana. Jaison apresenta
dois significados iniciais da noção de cultura, segundo a filósofa Marilena
Chauí, sendo o primeiro relacionado à origem da palavra em questão, que vem do
verbo latino colere, que significa
cultivar, criar, tomar conta e cuidar, Cultura significa o cuidado do homem com
a natureza. Donde: agricultura. Significa, também, cuidado dos homens com os
deuses. Donde: culto. Significa ainda, o cuidado com a alma e o corpo das
crianças, com sai educação e formação. Donde: puericultura. A Cultura era o
cultivo ou a educação do espírito das crianças para tornarem-se membros
excelentes ou virtuosos da sociedade pelo aperfeiçoamento e refinamento das
qualidades naturais. No segundo sentido, a partir do século XVIII, cultura
passa a significar os resultados daquela formação ou educação dos seres
humanos, resultados expressos em obras, feitos, ações e instituições: as artes,
as ciências, a Filosofia, os ofícios, a religião e o Estado. Torna-se sinônimo
de civilização.
No primeiro significado percebemos que cultura e natureza não se opõem, sendo
cultura uma segunda natureza – adquirida pela educação e pelos costumes, que
melhora, aperfeiçoa e desenvolve a natureza de cada um. Já no segundo sentido,
há oposição entre natureza e cultura, quando esta remete ao reino da finalidade
livre, escolhas racionais, dos valores, da distinção entre bem e mal,
verdadeiro e falso, justo e injusto, sagrado e profano, belo e feio; e natureza
significa reino da necessidade causal, do determinismo cego. Esse segundo
conceito que ganha preponderância dos três (3) séculos que nos separam do
período XVIII, ganha maior materialidade. Marilena
Chauí diz que:
A medida que este segundo sentido foi prevalecendo,
Cultura passou a significar, em primeiro lugar, as obras humanas que se
exprimem numa civilização, mas, em segundo lugar, passou a significar a relação
que os humanos, socialmente organizados, estabelecem com o tempo e com o
espaço, com os outros humanos e com a Natureza, relações que se transformam e
variam. (CHAUÍ, 2000, p.373).
Mas afinal, o que é cultura? No sentido amplo, histórico-antropológico,
são as práticas, hábitos ou modos de vida de determinado grupo. Esses elementos
todos os agrupamentos humanos possuem, estes têm diferente maneiras de realizar
as suas práticas, só podemos assim falar em culturas. No sentido
restrito, cultura está ligada à idéia de “cultivo do espírito” – espírito não
ligado a religiosidade, mas sim aquilo que é produzido sobre a natureza,
cultura como criação de obras da sensibilidade e imaginação e como criação de obras
da inteligência, reflexão.
Sumariamente, nos dois sentidos temos a cultura como a maneira pela qual
os humanos se humanizam por meio de práticas que criam a existência social,
econômica, política, religiosa, intelectual e artística. Esse sentido de
cultura o NAP parece reforçar, sua amplitude chama a atenção para os diferentes
grupos sociais, e seu caráter restritivo para as distintas maneiras, práticas,
modos de vida desses grupos.
Devemos ter em mente que as crianças possuem origens socioculturais
diversas e assim vão de alguma maneira estabelecendo filtros, formas de se relacionar
com artefatos culturais. O NAP Relações
sociais e culturais nos faz colocar atenção na valorização desses
elementos, não implicando em deixar de produzir progressivamente contato com
outras formas de cultura.
Como o tempo estava se esgotando e muitos assuntos não foram trabalhados,
em comum acordo, ficou agendado para dia 19-06 continuarmos o estudo. Estejam
todos convidados.
Referência:
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.