No dia 17 de abril de 2012, às 09h e 15min, teve início o Encontro do
Grupo de Estudos Independente da Educação Física na Educação Infantil. Ele
contou com a presença de quatorze (14) professores, bem como de uma bolsista do
Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (UFSC/CNPq). O
Encontro foi coordenado pela Doutoranda
Ana Cristina Richter (UFPR) e teve como objetivo discutir sobre a
relação da Educação Física com o NAP Linguagem: gestual-corporal, oral,
sonoromusical, plástica e escrita.
Logo após ser apresentada, comentou que um professor de Prática de Ensino
tinha conversado sobre uma dupla de estagiários da Educação Física da UFSC que
gostaria de fazer um projeto sobre música junto a um grupo de crianças de uma
determinada instituição, ela respondeu: “Não dá, então faz-se formação em Música
e trabalha-se com Música.” O que Ana Cristina afirma é que Música não é objeto
primeiro da Educação Física, não seria um fim e sim um meio, podendo ser utilizada
para tematizar o elemento da mesma a ser trabalhado.
Quando trabalhamos com a linguagem sonoromusical, precisamos pensar o que
é Música. O filósofo, sociólogo e musicólogo Theodor Wiesengrund Adorno
(1903-1969) nos oferece reflexões importantes para o trabalho com a música como
a idéia de Fetichismo dos meios. Um
exemplo citado pela doutoranda é quando pedimos para a criança colocar a
atenção e destacar quais instrumentos estão presentes em determinada música,
nossa atenção está se dirigindo para técnica, para os meios e não para o fim.
Ana começa perguntando aos professores o que restaria de conteúdo da
Educação Física se isolássemos a idéia de brincadeira e brincadeiras
tradicionais. Uma professora respondeu que quando ela pensa em brincadeira, distingue-a
entre método e em conteúdo. Se tirarmos a brincadeira como conteúdo, resta-se
ela como metodologia para trabalhar outros elementos da Educação Física, aí
permanecendo muita coisa, materializando-se como meio e não como fim em si
mesma, sem objetivo à ser alcançado. Continuando a instigar mais um pouco os
educadores, é perguntado: se fosse retirada a brincadeira como conteúdo e como
método? Um professor responde que se pode trabalhar outros conteúdos como
esportes, ginástica, dança, mas sem utilizar a brincadeira como método, sendo
que se trata de crianças, parece ser algo incoerente, pois terá um olhar mais
voltado para técnica e outros elementos restritos que não estão presentes
quando falamos em brincadeira. Outra professora reafirma que se tirarmos a
brincadeira como conteúdo, nos resta tantos outros, mas retirar a brincadeira
como método, como modo de relação com os outros conteúdos estamos
desrespeitando a forma peculiar, distinta das crianças interagirem com o mundo.
Ana teve como objetivo problematizar a idéia de brincadeira como conteúdo,
repensando-a principalmente na Educação Física na Educação Infantil. Walter
Benjamin é citado pela sua idéia de que jamais um brinquedo ou uma proposta de uma
brincadeira irá determinar o conteúdo daquela prática para a criança. O professor
deve ter isso claro. A partir disso nos faz pensar e ter cautela sobre o
discurso da brincadeira como fim, como objetivo.
Tendo como referência Adorno, a Ministrante nos alerta que muitos hábitos
entram na vida da criança por meio da brincadeira. Quando cantamos uma
determinada música para lavar as mãos, ou formar uma fila, estamos dando conta
da adaptação, de preparação para vida adulta, civilizando para ordenar o mundo.
Mas a educação e nossa função como professores é só civilizar? Ana nos faz
refletir sobre nosso papel de professor e cita a idéia de Hannah Arendt,
apresentar o mundo às crianças; no caso do professor de Educação Física
apresentar também o mundo da cultura corporal.
A partir dessas discussões surgiu o assunto Formação dos Profissionais nessa
área. Primeiramente nos deparamos com um fato problemático no curso de Educação
Física, no interior do qual é muito pouco pensada e estudada a infância e a
prática nessa faixa etária. A Doutoranda nos trouxe uma informação
surpreendente, segundo a qual foram analisadas as ementas do curso de Educação
Física da UFSC e a palavra infância apareceu somente três (3) vezes. Observando
que na instituição formadora de profissionais já é pouco pensando e estudado sobre
esse tema, acaba tendo como conseqüência direta ou indiretamente na atuação
desse profissional junto a instituição infantil do qual o mesmo está habilitado
a trabalhar. Isso muitas vezes reflete a reprodução do conhecimento adquirido
pelo profissional ao longo da sua vida, mera vivência, visto que não teve
aprendizado durante a sua formação, assim não havendo reflexão sobre sua
prática e nem um planejamento com objetivo a ser alcançado, um fim. Muitas vezes encontra-se aulas recheadas de
atividades, nas quais o professor meramente reproduz o que já está pronto,
acabado, sem nenhum tipo de reflexão, prejudicando diretamente as crianças.
Logo após esse debate uma professora comentou sobre a importância de
pensarmos e enxergarmos elementos da Educação Física trazidos pelas crianças no
momento da prática e que não foram programados pelo Docente. Quando os pequenos
têm a possibilidade de vivenciar, conhecer, falar a respeito de um elemento da
cultura coporal, podem, a partir disso, ressignificar, inventar, reconstruir as
práticas corporais mudando o direcionamento do que estava sendo proposto.
Entretanto, a atitude do adulto algumas vezes é de repreendê-los e fazê-los
retornar à atividade que foi determinada previamente, não percebendo elementos
muito ricos vindos deles, e reduzindo o planejamento daquele momento à visão
somente do adulto. Essa atitude da criança de escapar do que foi planejado pelo
Professor é definida por Benjamin como desvio
segundo Ana, sendo que o Professor deve estar consciente que irá acontecer
em vários momentos esse desvio e saber lidar com isso, devendo ser observado
como algo positivo, pois só assim é apresentado ao professor outras formas de
brincar, de interpretar, ressignificar e também de confrontar o novo com o que
já foi determinado, definido no passado. Ana Cristina concorda e diz que
devemos conhecer mais as “palavras chaves”, as discussões conceituais, pensar o
que significa Brincadeira, Professor, Educação Infantil, Educação Física, Música,
etc assim conhecendo de forma mais ampla o universo que envolve as práticas
corporais e a educação em geral.
Nos documentos que abordam os NAPs, é afirmado que as várias formas de
linguagem, gestual-corporal, oral, sonoromusical, plástica, escrita, aparecem em
diversos momentos da prática pedagógica. Ana nos alerta para as diferentes
linguagens e sua dimensão estética, a sua forma. Em geral, podemos dizer que
cada instituição tem formas de comunicação e expressão diferenciadas com as
crianças. Como a linguagem é produtora de subjetividades ela vai nos formando,
então o que dizemos, ouvimos, verbalizamos, lemos, vai nos constituindo como
sujeitos. Como podemos então pensar na forma da linguagem?
Ana cita uma situação em uma instituição municipal como exemplo do uso da
linguagem na aula de Educação Física na qual a professora vai até a sala das crianças
e só fala “Vem”. Ela e as crianças se
dirigem ao terreno de uma horta, a professora pede que as crianças se acomodem
e explica que o material que for utilizado deve ser depois guardado, por fim
diz “Podem brincar.” A auxiliar da
turma chega e a mesma diz “Vamos lá
turma, guardando, está na hora de ir!” Esse foi um exemplo da linguagem de
comunicação e não de expressão, tendo assim ação de um falar e o outro fazer,
obedecer, apresentando-se somente a função instrumental. Se a linguagem e o
pensamento é o que nos fazem humanos, devemos pensar que tipo de linguagem
estamos conformando em e na relação com a infância.
No exemplo acima, percebe-se que em nenhum momento a professora conversa
com as crianças sobre o que estão fazendo, sobre o que fizeram, sobre o que
sentem e pensam a respeito da proposta. O ato de falar, instigar, descobrir,
pensar sobre o que estão realizando, é fundamental também para se construir uma
memória, porque a partir dela é que podemos imaginar. A criança precisa de
elementos para poder aflorar suas idéias, imaginação, criatividade, ninguém
consegue imaginar a partir do nada. Sem história não tem memória, por isso a
autoridade do professor em apresentar o mundo às crianças se deve fazer
presente em todos os momentos.
Muito presente nos discursos atuais nas instituições é a linguagem
cientifizada, um exemplo comum é no momento do lanche em que a professora fala
“Come chuchu porque faz bem para saúde” e quase nunca “Que engraçado o gosto do
chuchu né?!” Haveria aqui uma dimensão estética do conhecimento, saber a forma,
o gosto, a textura, o cheiro, e isso não é comumente trabalhado no cotidiano.
Alguns autores defendem a idéia de que a criança não tem linguagem e sim
voz, na qual só expressa dois sentimentos que são dor e prazer. Chocante dizem
alguns professores. Precisamos pensar se é só isso que constitui o humano, a
cultura, e se devemos valorizar somente essas duas emoções, não levando ao
conhecimento da criança a retórica, a oratória, estímulo ao argumentar, à
participação em determinadas decisões que partem exclusivamente do professor –
visto que deve partir do adulto, é assim que a linguagem vai se firmando na
vida das crianças e também na vida social dos adultos. É responsabilidade do
professor ajudar os pequenos a passar da voz à linguagem para que possam criar
juízo do mundo, possibilitar que o olhem a partir dos olhos do outro, podendo
assim deliberar. Quando se fala com a criança na instituição, geralmente acontece
uma redução da comunicação a critérios que residem exclusivamente no controle
do corpo e eficiência, como na fala a seguir, “Que bonitinho, amarrou o
tênis sozinho!” Esquece-se de se conversar sobre os outros modos de calçar
os pés, de amarrar os cadarços, de mostrar a história em movimento.
Ana problematiza o lugar da linguagem na música para pensarmos quando
formos trabalhar com esse elemento nos momentos da Educação Física, e cita como
exemplo uma canção que tem como título Meus
dentes brilham, a qual tem frases que dizem “O que me anima e me alegra é ver todos os meus dentes a brilhar”,
“Eu amo todos eles” “Para os fãs,
é só olhar.” Em uma sociedade como a nossa, em que a personalidade está
centrada na aparência, a canção é “perfeita”. Além de “vender” uma felicidade
que se centra na exterioridade, notamos o consumismo implícito, formando uma
identidade que vai se basear no narcisismo. Jurandir Costa escreve, por
exemplo, que “basear a identidade no
narcisismo significa dizer que o sujeito é o ponto de partida e de chegada do
cuidado de si. Ou seja, o ‘que se é’ e o que ‘se pretende ser’ devem caber no
espaço da preocupação consigo. [...] O narcisista cuida apenas de si, porque
aprendeu a acreditar que a felicidade é sinônimo de satisfação sensorial. [...]
O sentido da vida deixou de ser pensado como um processo com finalidade em
longo prazo e objetivos extrapessoais” (COSTA, 2005, p. 185-6).
Esse exemplo nos faz entender a
importância e o cuidado de escolher as canções a serem trabalhadas e quais
objetivos queremos alcançar com elas.
Ana usou mais uma cena de um momento observado em uma determinada
instituição, para mostrar como que as outras linguagens estão a serviço da
Educação Física e como as crianças são convidadas a atuar: “Na sala,
sentadas sobre o tapete, estão dezenove crianças do grupo, duas professoras e a
professora de Educação Física. A professora de EF decide com as
crianças, os papéis que representarão na dança do Boi-de-mamão da próxima
sexta-feira. Um menino senta ao colo da A professora de EF. Ela relê a lista
de personagens e pergunta: “Quem é a cabra?”[...] A professora de EF avisa
que não há ursos brancos e pretos. Um menino sugere que as professoras
os representem e elas topam. Uma delas diz: “Gostei da tua idéia. O urso
também é divertido.” Ela estende a mão à criança e cumprimenta-o pela
indicação. A professora de EF explica que as crianças precisam preparar um
cartaz anunciando a dança e que dançarão para uma turma visitante de outra
creche que também brinca de Boi e virá assistir”.
No momento que a professora senta com as crianças, prepara com elas, lê e
relê uma lista, um cartaz, uma história relacionada às práticas corporais, os
pequenos também estão em contato com a escrita, com a leitura. Para os bebês a
familiarização com os livros, o toque, ouvir histórias, conhecimento do peso,
da textura, do material, também são formas de aproximação às linguagens oral,
escrita, plástica. Dessa forma propicia-se a formas diferenciadas de contato,
manipulação e experimentação de movimentos, materiais, imagens e recursos
historicamente criados e culturalmente desenvolvidos que integram a cultura
corporal.
A doutoranda perguntou aos professores a respeito dos livros disponíveis
em suas instituições que falassem sobre o movimento, sobre assuntos
relacionados à Educação Física e a resposta foi quase nada, para não
generalizar dizendo nada.
Ao finalizar o encontro, Ana distribuiu alguns livros infantis, revistas,
livros da área da Educação Física de diversos temas para os professores olharem
e conhecerem, como exemplo o livro Linéia
no jardim de Monet, onde aparecem imagens vinculadas às práticas corporais,
tal como a obra “Regates à Argenteul”, entre outras, ou, ainda, em revistas da
área, onde aparecem pinturas, desenhos, gráficos que também permitem o contato
com os temas da cultura corporal por meio das diferentes linguagens.
Considerando, por exemplo, o trabalho com as práticas circenses, Ana trouxe
música erudita para ouvirmos, de Heitor Villa–Lobos: “O Ginete do
Pierrozinho”; A manhã de Pierrete”.
Essas e outras opções precisam ser conhecidas, estudadas, aprofundadas problematizadas
para se ter conhecimento para trabalhar a cultura corporal e apresentar o
movimento da história às crianças.