No dia 04 de setembro de 2012, às 08h e 25min, teve início o Encontro de
Formação da Rede Pública Municipal de Educação. Ele contou com a presença de
vinte e quatro (24) professores, bem como de uma bolsista do Núcleo de Estudos
e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (UFSC/CNPq). O Encontro foi coordenado
pelo professor Alexandre Fernandez Vaz e teve como tema “Desenvolvimento e
aprendizagem: movimentos entre a natureza e a cultura III: exemplos a partir de
pesquisas na Rede”.
A dinâmica do encontro foi divida em quatro (4) etapas, sendo a primeira
a recapitulação de alguns conceitos, a segunda o exercício de análise de cenas
no parque, a terceira a exposição de material de pesquisa e, por fim,
construção e debate de situações-problema.
Alexandre começou relembrando um conceito de brincadeira, forma de dramatizar o mundo. Nela há traços da
realidade, mas ao mesmo tempo é imaginária, irreal, como quando uma criança
brinca de ser jogador de futebol ou de casinha. O segundo conceito visto foi o
de brinquedo, um instrumento de brincar, sendo ele não o determinante da
brincadeira, mas sim o contrário. Devemos lembrar que o primeiro brinquedo da
criança é o próprio corpo, mas elas tomam espaço e objetos como brinquedos
também.
Outro conceito visto em certo momento dos encontros foi o de técnicas
corporais, elaborado pelo sociólogo francês Marcel Mauss, o qual se refere aos
usos do corpo ligados a duas características básicas, que são a eficiência e a
tradição – que é passada de geração à geração.
Por último, o conceito de imaginação, que está relacionado com duas
outras palavras que têm o mesmo radical, imagem e magia são elas. Imaginação é
composta por um repertório de imagens que por sua vez tem parentesco com a
magia, com o ato mágico. Uma brincadeira, um jogo, sem imaginação não existe. Nossas
crianças atualmente têm uma enorme exposição à indústria do entretenimento, é
corriqueiro observarmos os pequenos brincando com personagens midiáticos. Temos
como dever ampliar esse repertório imaginário e de conhecimento para além do que
é posto pelas indústria cultural a essas crianças.
Avançando para a segunda etapa da dinâmica, Alexandre apresentou alguns
extratos de observações feitas em momentos do parque em diferentes
instituições. O primeiro extrato é:
Eu acho que são poucos brinquedos e
estragados. Deveria ter outras opções. Eu sinto assim que o parque fica muito
violento. Aquela coisa que eles correm até la embaixo. Aí de uma pedra eles
fazem um brinquedo. [...] Tu perde aquele controle. [...] Nós temos uma casinha,
mas não tem brinquedo. Qual é o atrativo? O atrativo é trancar a porta e eles
ficam lá dentro. Ou eles se beijam, ou eles tiram a roupa, ou eles machucam
alguém. O esconderijo deles é na casinha. Se tivesse brinquedo, seria utilizada
de outra maneira. (Professora)
Para alguns professores presentes no encontro, nesse primeiro extrato
chama a atenção o olhar da professora como uma observadora, distante da
intenção de intervir naqueles momentos, colocando-se a parte deles. Outra
questão levantada a partir desse trecho foi a necessidade de o parque ser um
lugar de controle, quando a professora descreve que as crianças fecham a porta
da casinha, isso mostra que não há mais como vigiar inteiramente os pequenos,
causando um incômodo aos adultos. Um paradoxo surge com a ideia de alguns
profissionais perante as atividades do parque, momentos de descanso, para relaxar,
mas ao mesmo tempo um espaço-tempo deve ser observado e controlado.
Uma professora presente chamou sua atenção perante a não consideração da
casinha, da pedra como brinquedos, a falta de percepção por parte da docente
dos simples objetos que podem se tornarem brinquedos. Também a necessidade de
ter mais brinquedos para que mantenham as crianças todas ocupadas, assim tendo
um ambiente mais controlado, estável.
Outra questão pertinente para pensarmos seria sobre qual o limite e
atitudes por parte dos adultos quando se tratam de brincadeiras que exploram o
próprio corpo ou o corpo do outro.
O segundo extrato trata-se de uma observação: O dia está ensolarado, a temperatura amena. No parque, às 15:50, várias
professoras conversam em círculo. Uma professora conversa com um grupo de
crianças e amarra os tênis de um menino. [...] A professora circula de mãos
dadas pelo parque com uma menina. [...] Escuta-se a voz de uma profissional ao
longe: “Cuidado, tu vai cair”. [...] Uma criança chora e é trazida para perto
da professora, que diz: “Fizeram justiça, né? Sabe por quê? Porque ele viu que
tu bateu nela.”. [...] Uma menina passa engatinhando e comenta: “Sou um gato”.
[...] Uma professora chega ao parque e ralha com uma criança que está “lavando”
o quadro-verde: “ Para com isso! Quadro molhado? Como vai escrever depois?”
Arranca o apagador da mão da criança e deposita-o sobre o quadro, longe de seu
alcance. Minutos antes, a criança falava: “Vou deixar o quadro bem limpinho”.
[...] Uma profissional puxa duas crianças pelo braço e esbraveja. Cinco outras,
reunidas em rodinha, conversam, enquanto duas permanecem parada, de braços
cruzados. [...] Uma criança, parada no canto do parque escuta: “Para de roer
unha, menina!”. (Observação de Ana Cristina Richter).
A primeira observação feita nesse segundo extrato foi o círculo formado
pelas profissionais para conversarem enquanto outras davam alguma assistência
às crianças, mantendo o controle. Uma professora presente no encontro destaca o
corpo como brinquedo quando a criança diz ser um gato e é ignorada pela
docente, não tendo havido qualquer intervenção naquele momento.
Quando a professora diz que fizeram justiça com a criança que estava
chorando, entende-se que a justiça é a vingança, havendo o estímulo da
violência, já que se supõe que o agredido teria o direito também de bater.
Uma cena bem comum de acontecer no cotidiano das instituições e que foi
relatada nessa observação é o professor agir desconsiderando a lógica adulta
dos pequenos. No momento em que a professora esbraveja com a criança por estar
molhando o quadro-verde, na lógica infantil ela apenas o limpava. Devemos
entender que os pequenos arregimentam imagens de pensamentos e recursos de um
repertório diferentemente dos nossos. Nas brincadeiras infantis é preciso
encontrar a lógica, o sentido dela para que não haja sempre uma crítica externa por parte dos adultos.
Terceiro extrato: Breno, criança do
G3, tenta subir na janela da casinha de madeira do parque menor da creche. A PA
fala “pode sair Breno, não é para subir aí”. Breno não consegue descer da
janela sozinho. A PA pergunta “Ficou com medo?” Breno balança a cabeça
afirmando que sim. A PA entra na casinha e ajuda a criança a descer.
Uma criança tenta subir nas
palmeiras que estão localizadas atrás da casinha de madeira do parque menor da
creche. A PA do G6 vê e diz “Ana Maria, não inventa moda, sai daí!” (Observação
de André Delazari Tristão).
Aqui foi destacado o cuidado com a segurança
das crianças. Ter em mente que o desafio é importante para o desenvolvimento
das mesmas, mas o perigo deve ser evitado, é de suma importância. É muito mais
cômodo proibir os pequenos de fazer algo do que dar o suporte necessário para
os mesmos experimentarem e vencerem os obstáculos, desafios, medos. Isso não deve, no entanto, colocar as
crianças sob qualquer forma de risco.
No quarto e último extrato podemos observar mais uma vez a preocupação
com a segurança das crianças, que é fundamental, mas que não deve ser limitadora
para o desenvolvimento delas. No parque
da creche, João Gabriel (criança do G3) brinca num dos balanços em pé com
desenvoltura. A PS vê e fala: “João, cuidado para não cair. Melhor brincar
sentado.” João Gabriel senta, mas logo depois brinca em pé novamente, a PS vê e
fala: “Quer sentar João, ou quer cair?”, João Gabriel senta. (Observação de
André Delazari Tristão).
O professor da Rede Municipal André Tristão, em sua pesquisa para o
mestrado, sistematizou a disponibilidade corporal dos professores em três categorias,
são elas: 1) Adulto companheiro, quando
o adulto se coloca em uma situação de parceria com a criança. Foi exemplificada
por uma situação observada em uma instituição em que a professora readaptada
pergunta quem quer dançar, as crianças respondem e ela organiza e participa da
dança. 2) Adulto brinquedo, quando o
corpo do adulto pode servir como tal. Foi mostrada a situação na qual a
professora senta no balanço e coloca uma criança no colo, balança e conta até
dez (10) para finalizar, assim possibilitando um maior número de pequenos a
brincar. 3) Adulto personagem, para a
qual foi mencionada uma situação observada no parque, em que a professora
interpretava o lobo e as crianças fugiam, escondiam-se. Essa classificação nos
faz pensar sobre os lugares do adulto na instituição e em que outros lugares os
adultos se encontram com seus corpos nas brincadeiras infantis.
Por fim, Alexandre propôs uma atividade em grupo que tinha como proposta
delimitar um objetivo para uma aula e propor uma organização do espaço com este
fim. Considerando alguns elementos que determinam a prática (dificuldade ou
facilidade excessiva, perigo etc.), modificar esse arranjo no sentido da
ampliação das possibilidades de movimento/usos do corpo, ou propor novas formas
de aproveitamento desse mesmo espaço/arranjo.
O primeiro grupo organizou uma aula com o objetivo balanço em movimento, em que as crianças tinham que se balançar e
saltar com o balanço em movimento, na caixa de areia ou colchonetes. Com o
passar da aula, aumentar-se-ia a dificuldade, os desafios. O risco previsto foi
avaliado em alguma criança passar perto do balanço em movimento e se machucar.
O segundo grupo planejou uma aula com o objetivo de oportunizar interações
entre as crianças de diferentes faixas-etárias (G4, G5 e G6) durante 01h30min, proporcionando
diferentes possibilidades de movimentos. Foi pensada uma modificação do parque
colocando-se alguns outros brinquedos como falsa baiana, teia de cordas, blocos
coloridos, escalada de corda no escorregador. Como desafio, se fosse necessário
mudariam as atividades, o espaço, ou os dois.
A terceira equipe organizou uma aula que tinha como objetivo o equilíbrio
e viu como dificuldade criar o espaço para poder trabalhar e lidar com a opinião
dos outros profissionais da instituição, que muitas vezes não conhecem por completo
o planejamento e podem equivocar-se sobre a atividade que está em ação.
Por fim, o quarto grupo pensou em uma aula que trabalhasse com a ginástica
e com movimentos mais complexos, utilizando o espaço do pátio ou a quadra. Como
dificuldades, listaram a falta de materiais como colchão, brinquedos, e de adultos
para auxiliar na segurança dos pequenos.