Creche Jardim
Atlântico
Educação Física
Geisa M. L. Santana
Jogos de construção: Uma possibilidade
pedagógica.
Muitas concepções,
ao tratar do brincar, colocam em segundo plano, ou mesmo descartam a dimensão
social da atividade humana que o jogo assume, desvalorizando-o em relação a
outras atividades ou comportamentos. O brincar, sendo uma atividade permeada de
significação social deve e precisa ser ensinado e aprendido.
Segundo Elkonin
(1998, p233)
O estudo do desenvolvimento
do jogo protagonizado é interessante em dois sentidos: primeiro, porque assim
se descobre com maior profundidade a essência do jogo; segundo, porque, ao
descobrir a conexão mútua dos diferentes componentes estruturais do jogo em seu
desenvolvimento, pode-se facilitar a direção pedagógica e a formação dessa
importantíssima atividade da criança.
Para esse autor, o
elemento fundamental do jogo é a situação fictícia, que é o momento em que a
criança adota o papel do adulto, revela a cultura que está inserida e
interpreta funções sociais. Durante esse processo as crianças representam
papéis de maneira muito particular, quando ocorrem assimilações de regras de conduta social,
contribuindo para a formação de sua personalidade. Ou seja, o jogo de papéis é
de origem social.
De acordo com
Elkonin (1998), durante a idade pré-escolar os jogos comuns são os jogos de
enredo, que possuem uma situação imaginária na qual a criança desempenha papéis
sociais e apresenta uma evolução na estrutura do jogo. As crianças muito
pequenas criam seus jogos sem enredos, compostos por episódios sem ligação
entre si. Aos três e quatro anos as crianças extraem seus elementos para
construção das brincadeiras de forma fragmentária da vida pessoal ou do seu
meio imediato, criando uma relação com suas fantasias. Em grupos de crianças
mais velhas estes enredos já são mais elaborados refletindo acontecimentos da
vida pessoal e social.
Usova (1998 p.238 apud Elkonin) investigou questões relacionadas à
direção dos jogos infantis e assinala uma série de elementos do desenvolvimento
dos jogos, das quais se deve partir para organizá-los.
“...os jogos das crianças
já apresentam aos três anos de idade um caráter temático e desenvolvem-se com
intensidade nessa direção até os sete anos. Estabelece ela que, (...)os
princípios motores determinantes do jogo...baseiam-se na aprendizagem gradual
do papel que a criança desempenha numa coletividade infantil. O tema do jogo e
seus papéis determinam a atitude das crianças em face do jogo... “
A autora revela dados importantes sobre a presença de argumentos nos
jogos das crianças mais novas e data o surgimento dos jogos temáticos na idade
pré–escolar. Usova (1998) vê nos jogos das crianças pequenas elementos
importantes para a evolução consecutiva do jogo: nas ações lúdicas, nos
elementos de protagonização e nas ações histriônicas.
Apesar de suas pesquisas não se deterem em pormenores da relação
existente entre peculiaridades soltas no jogo infantil e o desenvolvimento do
argumento[1],
seus dados revelam que a autora acredita dependerem dessas peculiaridades o
desenvolvimento e a essência de todo o jogo protagonizado.
Elkonin e seus colaboradores em pesquisas
experimentais, mostraram que o caminho do desenvolvimento do jogo protagonizado[2]
segue o seguinte percurso: da ação concreta com os objetos até a ação lúdica
sintetizada, e dela o passo seguinte é a ação lúdica protagonizada. Exemplifica
o jogo protagonizado assim: “há a colher; dar de comer com a colher; dar de
comer com a colher à boneca; dar de comer à boneca com a mamãe”. ELKONIN (1998
p.259).
Com a evolução do
jogo protagonizado a criança cria uma situação adequada ao jogo e possui uma
situação imaginária e regras implícitas no papel a ser desempenhado. Mais
tarde, com o avançar da idade, a situação imaginária fica latente e as regras
se sobressaem no jogo, caracterizando o jogo de regras.
Quando brincam, ao mesmo tempo em que desenvolvem sua
imaginação, as crianças podem construir relações reais entre elas e elaborar
regras de organização e convivência. Os jogos com regras não nascem
aleatoriamente, mas da necessidade da
[1] De acordo com Usova, para haver um bom argumento de
jogo, dependerá da relação das crianças entre si e do grau de concordância
sobre o tema do jogo. Investiga o papel que exerce o trabalho instrutivo no
processo educativo das crianças em idade pré-escolar e os elementos deste
processo de formação, que envolve uma didática adequada e que seja voltada para
a necessidade de desenvolver conhecimentos e habilidades nas crianças, não
basta que as crianças tenham noções isoladas sobre as informações e os fenômenos
do mundo real.
[2] O jogo protagonizado, jogo de enredo, jogo
de papéis, jogo de representação e jogo simbólico termos utilizados como
sinônimos entre si.
própria função
lúdica da criança em organizar a brincadeira e de ter uma maior compreensão das
relações sociais.
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própria função
lúdica da criança em organizar a brincadeira e de ter uma maior compreensão das
relações sociais.
Portanto a brincadeira é situação privilegiada
deaprendizagem infantil onde
o desenvolvimento pode alcançar níveis mais
complexos, exatamente pela
possibilidade de interação entre os pares em uma
situação imaginária e pela
negociação de regras de convivência e de conteúdos
temáticos. (WAYSKOP,
p. 35, 1995)
No jogo simbólico é
possível permitir utilizar uma lógica própria, buscar uma organização
espaço-temporal particular, ser capaz de criar regras, estabelecer limites. E
também ser capaz de quebrar regras, romper com os limites estabelecidos.
Brincar é partilhar emoções, vivências consigo próprio ou com os demais. É tão
significativo brincar que, na ausência de pessoas e de brinquedos, a criança
cria amigos imaginários com quem estabelece relações que possibilitem partilhar
a brincadeira.
A criança demonstra que começou a pensar quando
inicia conosco uma comunicação em linguagem verbal, social. Nesse momento, ela
já tem o que comunicar: fala sobre o que representa de suas ações no mundo.
Nessa nova etapa da viagem, a criança penetra num mundo extremamente diferente
do mundo dos adultos, que é o mundo da fantasia, do faz de conta (FREIRE, 1989,
p. 37)
Segundo Freire (1989
p.37)
O que há de realmente
diferente nesta nova fase, que é a chamada pré-escola, é a viagem pela
fantasia. O pensamento, como o corpo o fora na etapa anterior, precisa ser
exercitado. Ou seja, é preciso aprender a pensar. Quem sabe algum dia a escola
da primeira infância descubra que para aprender a pensar é necessário, entre
outras coisas, viver o mundo da fantasia?
Assim, é importante
lembrar-se da importância de permitir que as crianças se deleitem na
oportunidade de novas descobertas, de novas criações, nas quais o universo
infantil esteja sendo criado e recriado constantemente e, nesse contexto, a
Educação Física possa alimentar suas fantasias, competências e suas múltiplas
formas de expressão.
4.1 JOGO, IMAGINAÇÃO E CULTURA.
O homem é caracterizado como um ser cultural. Ao atuar no mundo, ele o
faz culturalmente, por meio de cultura e inserido numa dada cultura. De acordo
com Freire (2002, p. 86)
(...) Seu instrumento particular e privilegiado
de adaptação ao mundo é o símbolo interno a imaginação, a capacidade interna de
representar as coisas e os acontecimentos. Quanto à natureza, hostil ao homem,
com sua habilidade especial ele a modifica e cria sua própria natureza: a
cultura. Com a cultura o ser humano pode interagir. (...)
A construção e criação de linguagens e símbolos trazem
à tona a dimensão dos afetos e dos aspectos cognitivos. Criar cultura,
construir sentidos e formas, se dão também, através da imaginação, na interação
com outro, no jogo entre o visível e o invisível, pelo contato e (re)
conhecimento das múltiplas formas de expressão, compreensões e interpretações
da realidade. A imaginação, a fantasia e o brincar representam manifestações de
criações sentidos através de gestos, olhares, falas, demonstrações de
afeto, emoções e são constituintes e constituidores das culturas.
As crianças também produzem culturas, já que estas
manifestações são explicitadas na infância, e é por meio delas que agem no
mundo, compreendem e dão sentidos (novos ou não) à realidade que as cerca.
Para Macedo,
Graças ao faz de conta, a criança pode imaginar,
imitar, criar ou jogar simbolicamente e assim, pouco a pouco, vai
reconstituindo em esquemas verbais ou simbólicos tudo aquilo que desenvolveu em
seu primeiro ou segundo ano de vida. Com isso, pode ampliar seu mundo,
estendendo ou aprofundando seus conhecimentos para além de seu próprio corpo;
pode encurtar tempos, alargar espaços, substituir objetos, criar acontecimentos.
Além disso, pode entrar no universo de sua cultura ou sociedade aprendendo
costumes, regras e limites. (MACEDO, 2004, p. 12)
Sendo assim, não
podemos deixar de mencionar que as crianças vivem intensamente todos os seus
momentos, imaginam, criam, usam de diferentes linguagens e transitam com
facilidade e desenvoltura pelo mundo da fantasia e da realidade. São
espontâneas, dão formas e sentidos às coisas que as cercam, constroem e
destroem à sua ”moda”.
Segundo Freire
(2002, p. 89), “(...) se a cultura humana é uma construção que depende de nossa
atividade interior, e o jogo tem a propriedade de ‘sugar’ para esse interior as
vivências da realidade, obviamente o jogo passa a ser indispensável à formação
de nossa cultura”
Pensar, portanto, o
lúdico na vida das crianças, nos remete a refletir em que quadro cultural ele
aparece, pois para compreender a produção cultural na infância é necessário
observar a cultura infantil. E, ao mesmo tempo, considerar a compreensão da
cultura, pois ela permite conhecer a sua criação no tempo de infância.
Para Brougére (2004, p. 33)
Jogo humano supõe um contexto social e cultural.
É preciso, com efeito, romper com o mito do jogo natural. A criança está
mergulhada desde o seu nascimento num contexto social e seus comportamentos
estão impregnados por esta imersão inevitável (...) o jogo pressupõe uma
aprendizagem social. Aprende-se a jogar (...)
Nesta compreensão, o
jogo é considerado um fato social, resultado de relações inter‑individuais de
cultura. Assim, cada cultura constrói uma esfera delimitada do que é ou não
considerado jogo.
Sarmento (1999), ao
tratar da cultura infantil, o faz buscando referência em sua função social,
onde emergem categorias que caracterizam a infância, tais como: a etnia, o
gênero, a classe social e o trabalho, que determinam de algum modo a forma de
vida das crianças. Assim, mesmo que se encontre numa mesma sociedade, a
infância vivida por diferentes crianças é heterogênea, pois a cultura produzida
nessas infâncias será diversa, não tendo como característica a homogeneidade.
Quinteiro (2000) diz
que a cultura infantil é uma rede de significados gestados no interior das
relações entre as crianças, e se consolida mediante a re-significação, a
reprodução, a produção de vivências sócio-culturais. A diversidade é sua
principal característica, pois existem culturas infantis e não uma única
cultura infantil.
O processo de
construção das culturas infantis apresenta-se em duas dimensões: a coletiva e a
individual. A cultura coletiva tem como característica aspectos comuns entre os
sujeitos participantes, e a individual caracteriza-se pelos conhecimentos
adquiridos nas relações estabelecidas nos diferentes contextos de vida, sejam
eles privados ou públicos, que subsidiam a construção das culturas das crianças.
Entretanto,
consideramos ser uma aventura complexa pensar o jogo e suas representações,
pois é necessário conhecer as crianças e suas construções culturais e sociais.
É preciso reconhecer a creche como um espaço plural e não homogêneo, avistando
as singularidades existentes, possibilitando assim, práticas pedagógicas que
permitam esta produção cultural das crianças.
Nesse sentido, as
contribuições de Brougére (1995), descrevem que as crianças pequenas
relacionam-se com o meio social de diferentes formas e sendo por meio dessas
interações que elas constroem seus repertórios culturais e indicam a
importância de ser social.
Para Brougére (2004,
p. 15)
A impregnação cultural, ou seja, o mecanismo
pelo qual a criança dispõe de elementos dessa cultura, passa entre outras
coisas, pela confrontação com imagens, com representações, com formas diversas
e variadas. Essas imagens traduzem a realidade que a cerca ou propõem um banco
de imagens consideradas como expressiva dentro de um espaço cultural
O jogo torna-se uma
importante possibilidade pedagógica, na medida em que passa a ser compreendido
como um fenômeno sócio-cultural, privilegiando as pluralidades e singularidades
apresentadas na infância. Cabe às instituições de Educação Infantil ampliar e
respeitar as culturas nos seus processos de aprendizagens. Refletindo sobre o
que significa o “aprender na primeira infância”.
De acordo com Freire
& Scaglia (2003, p. 15), “aprender seria a condição fundamental para a
vida. Considerando que o meio em que vivemos não é natural, mas cultural, e que
a cultura humana se altera a cada instante, precisamos, para dar conta de viver
nele, aprender permanentemente.”
Esta aprendizagem
inclui a atividade lúdica como expressão da linguagem da criança através de sua
imaginação e de seus processos de criação, que são dimensões que a constituem
como sujeitos humanos e pertencentes a um contexto sócio-cultural. Segundo
Freire & Scaglia (2003 p. 31)
Na educação física, o desenvolvimento do
indivíduo num meio ambiente humano – portanto cultural e social --deve ser o
objetivo principal, independentemente de qualquer divisão que se tente fazer de
seu conteúdo em áreas de conhecimento. É preciso valorizar a tarefa coletiva;
para isso, em se tratando de educação física, possuímos diversos recursos,
dentre eles o privilégio de poder contar com os jogos, vistos, neste trabalho,
como simulações da vida social, como microuniversos de uma sociedade em
crisálida.
Creches e pré-escolas têm como foco as relações
educativas que ocorrem num espaço de convívio coletivo, portanto, as dimensões
que os conhecimentos assumem na Educação Infantil, vinculam-se aos processos de
constituição da infância, ou seja, a expressão, cultura, afeto, fantasia, o
imaginário, socialização, cognição, movimento, brincadeira e a estética.
Rocha (2000, p. 25) destaca: “Reafirma-se uma
pedagogia para educação infantil que contemple as diferentes dimensões da
criança, suas diferentes linguagens, formas de expressão e criação.”
O jogo proporciona criar uma pedagogia de relacionamentos,
no qual as crianças são entendidas como ativamente envolvidas na co- construção
do conhecimento e das identidades próprias e dos outros. Está pedagogia de
aproximação e de trocas significativas entre as crianças, foi descrita por
Malaguzzi, (1999, p. 117)
As crianças aprendem interagindo com seu
ambiente e transformando ativamente seus relacionamentos com o mundo dos
adultos, das coisas, dos eventos e, de maneiras originais, com seus pares. Em
certo sentido as crianças participam da construção da sua identidade e da
identidade dos outros. A interação entre elas é uma experiência fundamental
durante os primeiros anos de vida. A interação é uma necessidade um desejo, uma
necessidade vital que cada criança carrega dentro de si. A auto- aprendizagem e
a co-aprendizagem das crianças, apoiada por experiências interativas
construídas com ajuda de adultos, determina a seleção e a organização de
processos e estratégias que são parte de, e coerentes com _os objetivos gerais
da educação da primeira infância. Os conflitos construtivos[resultantes do
intercâmbio de ações, expectativas e idéias diferentes] transformam a
experiência cognitiva do individuo e promovem aprendizagem e desenvolvimento.
Pensar
a complexidade do jogo na Educação Física Infantil, constitui um espaço de
intercâmbio, recepção e reconstrução de conhecimentos produzidos pelas crianças
e pelo processo de intervenção pedagógica que possibilite refletir e planejar
situações que nos aproximem do universo infantil.
De
acordo com Batista, (1998, p. 32)
O universo da criança é constituído de
imprevisibilidade, espontaneidade, ludicidade, imaginação, criatividade,
fantasia, pluralidade, brincadeira do faz de conta, linguagem artística,
gestual, corporal, musical, entre tantas outras. Este universo, na maioria das
vezes, não cabe dentro de uma estrutura cuja lógica de organização seja linear,
fragmentada, burocrática, homogênea, impessoal.
Nesta perspectiva o jogo se torna elemento primordial de aprendizagens,
não mais como um processo de adaptação e apropriação de cultura humana, mas de
transformação e criação desta cultura. Revela que a cultura por sua vez, pode
ser um espaço da totalidade das qualidades e das produções humanas, lugar de
troca que produz e veicula projetos da vida humana.
O jogo na primeira infância
traz a possibilidade de ampliar as linguagens de expressão, desenvolver a
imaginação e seus processos de criação, fazendo com que os adultos revelem o
mundo às crianças de diversas maneiras, ampliando sua visão de mundo,
apropriando-se de conhecimentos e criando sua própria cultura lúdica.
Trilhando os caminhos: a
organização das ações pedagógicas
No primeiro momento essa organização consistiu na preparação
do material didático que seria utilizado nos momentos da educação física. Caixas, garrafas, bolas de meia,
cordas, latas e tampinhas de garrafas pets foram re-utilizadas e adaptadas conforme
os princípios das oficinas do jogo. Além
disso, há os materiais conhecidos da Educação Física, como bolas, cordas, e
assim por diante. Os materiais
das Oficinas do Jogo foram planejados para, além de produzir conseqüências
pedagógicas importantes na formação das crianças, serem bonitos, para encantar
as crianças e fazer com que elas queiram participar das aulas. Todo o material é pintado em quatro cores:
verde, vermelho, azul e amarelo. São selecionados em cores, tamanhos e formas.
Isso aumenta as possibilidades de trabalho. No livro de Freire & Scaglia (2003, p. 63-64) [1], Educação como Prática
Corporal, os autores apresentam
sugestões de objetos que podem ser confeccionados pelos professores e alunos.
A organização do projeto de trabalho teve
como tema: jogos de construção, jogos simbólicos, brincadeiras populares. As
aulas foram organizadas em ordem
crescente de complexidade e desafios. Os participantes desses momentos tinham
de 4 a 5
anos, e o grupo era composto de 26 crianças.
O planejamento de cada aula foi elaborado a
partir da avaliação do encontro anterior com as crianças, levando em
consideração a percepção dos adultos envolvidos e a fala das crianças, que eram registradas em
um diário de campo. Também foi utilizada
a fotografia e a filmagem, para representar a realidade e imortalizar o
momento vivido. Foi criado então, um
caminho para o planejamento, em que a dinâmica do processo era revisto e
reescrito conforme as necessidades apresentadas. Ou seja , foi estabelecida uma ponte entre prática e teoria, possibilitando perceber aquilo que as
crianças copiam, recriam e inovam durante os momentos da educação física Muitas perguntas foram
surgindo durante a realização deste trabalho : o que fomenta a imaginação das
crianças? Como aguçar o imaginário das crianças? Que saberes as crianças
produzem durante seus jogos simbólicos? O que o planejamento da educação física
na educação infantil deve contemplar? Diante dessas perguntas realizei intervenções
e construí o planejamento que tinha como foco, não só a ampliação dos
movimentos, mas também o fortalecimento do imaginário e a criação.
Temas das aulas:
Construções livres com um único material
Iniciei as aulas com a utilização de um único
material. Na primeira aula utilizei somente
as tampinhas; as crianças organizaram-se com a mediação da professora. As
crianças criavam, livremente, seus temas.
O ambiente da sala de aula era transformado pelos materiais; as crianças
através de suas produções criavam seu próprio mundo, seus brinquedos e
materializavam suas imagens através da exploração do material.
De acordo com o registro da aula, feito em um caderno de anotações que chamei de diário de
campo:
[...] Em poucos minutos as construções começaram a aparecer,
algumas em relevos, como a flor da S. que tinha o miolo mais alto que as
pétalas. As crianças interagiam,
conversavam sobre o que estavam fazendo, formando duplas, uma buscava as tampinhas
necessárias e a outra construía o que haviam combinado. Percebemos durante a
aula que as construções tinham formas bastante parecidas com que as crianças
relatavam sobre suas produções.
No início trabalhei com as crianças individualmente,
mas, aos poucos, as crianças procuravam a companhia de outras crianças, para
trocar experiências, criando assim, enredos de brincadeiras. Os materiais
didáticos eram suportes para as criações, e, em muitos momentos, percebiam-se como as crianças
tornavam-se engenheiras, criando estratégias de produções, num exercício de
desconstruir e construir.
Durante as aulas coloquei vários desafios para as
crianças, como a utilização de determinadas cores, quantidade de materiais, uso
do espaço e a organização de grupos. Esses desafios enriqueciam a aula, na
medida em que lhes proporcionava interações mais significativas, com o
material, com outras crianças e com os adultos.
De
acordo com Freire (1989, p.73)
Durante a realização de jogos de construção, julgo
imprescindível que o professor converse com as crianças durante a realização
das tarefas e ao seu final. Quanto à elaboração, ele atua como mediador das
discussões, como desafiador de propostas, como auxiliar dos arranjos. [2]
Esta mediação do adulto através de perguntas e diálogos
nos fez compreender não somente como o construtor dá formas ao construído, mas
como o construído é criado e re-criado e adquire significados durante sua produção.
Para Kishimoto (1994, p.30)
Para se compreender a relevância das construções é
necessário considerar tanto a fala como a ação da criança que revelam
complicadas relações. É importante, também considerar as idéias presentes em
tais representações, como elas adquirem tais temas e como o mundo real
contribui para a construção das mesmas.[3]
Nas construções das crianças, percebia-se como suas
produções eram baseadas em elementos da cultura na qual estavam inseridas. Ao produzirem com as tampinhas, flores,
carros, trens, jogos e outros, as crianças transformavam os espaços em um lugar
colorido, cheios de “desenhos” e “esculturas”, criando cenários e elementos que
elaboravam suas representações mentais.
A atividade permitiu
que as crianças falassem sobre suas produções de forma bastante direta, dando ao brinquedo construído uma intenção
clara:
As crianças
ao serem questionadas sobre suas produções respondiam:
Criança 1:- Construí casa, martelo
Criança 2:- Céu, flor.
Criança 3:- Uma banheira e uma flor
Criança
8:- Só uma boneca.(Registro diário de campo)
Segundo
Vigotsky (2003, p. 129) “[...] ela inclui também ações reais e objetos reais.”
A criança, enquanto cria, mantém conexão com dados da realidade e cria uma
âncora entre o imaginário e o real, pois, pela imaginação, a criança é capaz de
transformar, de recriar, e de re-significar a partir do que vive na realidade.
. Isto nos permite refletir que a criança durante seus processos imaginários
consegue se manter conectada com a realidade.Sendo assim, a
re-significação do material consiste em realizar muito com pouco, transformar o
inanimado em vida e viajar no universo das ideias, e é isto que as crianças
fazem quando lhes
entregamos materiais coloridos e diversificados com intenção clara de
modificação e criação.
Construções livres utilizando mais de um
material:
Com a utilização, ao mesmo tempo, de diversos
materiais (caixas, latas, bolas, garrafas pets,
tampinhas, arcos e cordas), criei situações de construções onde as crianças
possuíam grande variedade de material, seja em tamanho, forma, cor e peso. Esses momentos exigiram das crianças decisões
sobre o que construir e quais materiais seriam utilizados para suas
construções. Elas construíam castelos, casas, carros, carroças, etc. Algumas
crianças optavam apenas por utilizar determinados materiais como as tampinhas e
latas, outras decidiam utilizar todos os materiais, ou escolhiam por cores e
tamanhos, fazendo com que suas construções apresentassem detalhes
impressionantes.
Para
Scaglia (2004, p.6)
A importância de se conceber e construir brinquedos
encontra-se na possibilidade de se produzir imagens que possuam um significado em relação à lógica do
desejo da criança, pois o brinquedo começa a partir de uma vontade espontânea,
depois passa para a escolha de material, a entrega total à construção,
ultrapassando os problemas gerados pelos acasos, através de soluções possíveis
frente às reais e potenciais capacidades, até se consumar na ação do brincar. [4]
As
crianças, ao serem questionadas pelos adultos sobre suas produções, revelavam
não somente o que produziram, mas, o significado de suas construções.
Construções a partir de historias infantis
Nas ações pedagógicas
utilizamos, como um dos temas, as histórias infantis. Entendemos as histórias como uma
possibilidade de estimulo à imaginação. Nas nossas aulas, as crianças não apenas eram ouvintes, mas criavam jogos de
representação[5], permitindo que criassem
suas próprias imagens e expressassem suas imagens corporalmente.
As expressões verbais das crianças, durante as
brincadeiras em que utilizavam as histórias infantis, eram construídas por elementos que, aos nossos olhos (adultos), eram invisíveis, e que permeava, então, o devaneio e a
liberdade de criar elementos
mágicos. Nesses momentos, nos quais as
crianças vivenciavam suas fantasias e sonhos, elas podiam ser muito mais do que
o são na realidade, ou que ainda não são durante as brincadeiras. Nelas,
impulsionadas pelo desejo de se apropriarem das coisas do mundo, o imaginário
possibilitou às crianças a modificação da realidade, ampliando e construindo sequenciais
de enredos permeados de significados infantis.
Nos seus jogos simbólicos, a ficção e o inusitado estavam sempre
presentes, criando, então, uma metamorfose constante durante suas brincadeiras,
seja na criação de personagens, de enredos, e construções de cenários.
Quando as crianças brincam com as histórias, sua imaginação
desfaz a percepção, e os objetos, as pessoas, e os lugares nada têm a ver com
seu sentido percebido, mas remetem a outros sentidos, cria sentidos
inexistentes ou presentificam o ausente. Como durante essas aulas, em que uma
caixa transforma-se em castelo imaginário, as tampinhas de garrafas em mar, uma bola em um sol, um tecido preso às
costas em uma capa.
A imaginação significa, por um lado, que ela é capaz de re-elaborar o que está presente,
por exemplo: a caixa deixa de estar presente para o castelo torna-se presente. De outro
lado, é criar também, inteiramente, o inexistente, como a aventura de brincar nos mares,embora isso seja feito a
partir de outras coisas existentes. É
por isso que a imaginação tem capacidade prospectiva, isto é, consegue inventar
o futuro, porque ela favorece combinações e criações.
Brincar com as histórias
possibilitou às crianças a ampliação de seus repertórios de imagens, que,
organizadas, puderam dar origem a outras, ampliando ainda mais o universo de
referências. As histórias foram um
recurso que permitiu uma maior autonomia na formação das próprias imagens,
imagens essas que podemos chamar de subjetivas, por ser produção individual do
sujeito, no plano do pensamento e não da realidade física.
Construções a partir de historias criadas
pelas crianças.
Para elaborar aulas em que o
tema pudesse instigar os devaneios, como descreve Bachelard (1994), recorremos a
ações em que as crianças criavam suas próprias histórias. Segundo Bachelard, (1994, p.81) é a abstração
que orienta a criação e a invenção: “[...] as sínteses me encantam. Fazem-me pensar
e sonhar ao mesmo tempo. É a totalidade de pensamento e de imagem. Abrem o
pensamento pela imagem, estabilizam a imagem pelo pensamento.”[6]
Os devaneios, segundo
Bachelard, foram os primeiros responsáveis por nossa liberdade na infância. Os
sonhos permitem que nos transformemos em seres livres, pois através
deles podemos liberar as faculdades propulsoras do imaginário.
Em várias aulas das Oficinas
do Jogo, trabalhamos com as histórias inventadas pelas crianças. Utilizamos a
produção textual durante essas aulas, nas quais as crianças inventavam e
elaboravam situações fantásticas. Foram momentos em que fechavam os olhos e
procuravam imagens que pudessem compor o enredo da história que iriam em seguida protagonizar, em um jogo de “verdades e
mentiras”[7].
Construções a partir de ilustrações
Criamos aulas utilizando uma
ilustração que retratava uma festa
popular. Instiguei as crianças a observarem aquela ilustração para que
ela pudesse se tornar base do nosso trabalho. Inicialmente
conversamos sobre o que viam. Nesse momento, algumas crianças nos falavam que
escutavam a ”música” e sentiam cheiro de “comida”. Produzimos um texto com as
crianças sobre a ilustração:
Uma Festa
Tem brinquedos, carros, pula-pula, balão, cama elástica.
Tem música, tem letras, é uma festa de aniversário para todas as crianças. A
mesa é grande, tem copo, prato, a moça está perto da mesa. As crianças estão
brincando de cama elástica, são muitos pratos.
Vovozinha está
sentada na cadeira de rodas porque caiu da escada e machucou a perna. O moço
está dando presente para o menino que está de aniversário. As crianças pulando
no pula-pula. Os meninos estão brincando no carro. As crianças brincando de
rebeldes. Meninos brincando de carrinho, pula-pula e dançando Barney.
Tem pessoas fazendo sanduíche para os outros
comerem. O moço está pendurando um balão com brinquedo dentro. A menina está
levando um bolo de laranja. No pula-pula os meninos estão pulando. A menina
está na moto cor –de- rosa. A menina está
dando a chupeta para o bebê para
ela não chorar.As letras formaram “Feliz Aniversário”. As pessoas estão felizes
porque estão se divertindo na festa.
A partir da produção
textual, criamos, então, uma brincadeira de construir o cenário da festa. Na
primeira aula utilizamos somente as tampinhas. As crianças criavam situações
inusitadas. Em um desses momentos anotamos no diário de campo:
Falei :- Vamos fechar os
olhos e tentar ver o que está dentro de nós , para construirmos com as
tampinhas aquilo que imaginamos.
As crianças fizeram silêncio e fecharam seus olhos.
Então perguntei: - O que viram ?
Criança 1: - Eu vi as tampinhas falando.
Geisa:- Falando o quê?
Criança 1:- Que ela ta numa festa de aniversário.
Criança 2:- Ah, eu tô vendo barco e carro.
Criança 3 :- Vi escuro e vi tampinha e ela agora é jogo
de brinca.
Criança 4 :- A tampinha tem perna e passeia na festa.
A atividade foi iniciada e as crianças se organizaram em
pares, sozinhas e algumas formaram pequenos grupos de 3 e 4 crianças.
No início as crianças
que estavam em grupo conversavam entre si, para poder decidir o que
iriam fazer, outras buscavam as tampinhas e as encaixavam dentro dos arcos
dando formas indefinidas aos desenhos. Fiquei observando e não interferi neste
momento.
Aproximei-me de
alguns pares e perguntei: - E aí, que estão fazendo?
Eles responderam:
Criança
1:- A gente tà fazendo uma cama elástica e essas tampinhas são crianças que
estão pulando.
Na segunda aula, em que
utilizamos novamente a ilustração como base, usamos todos os materiais das
Oficinas do Jogo ( Jogos de construção). Nessa aula, o desafio seria criar
nossa “própria festa”. As crianças organizavam-se para decidir o que seria
construído e de que forma iriam utilizar o espaço destinado para as
construções. Os adultos mediaram todo o processo, mas as crianças formavam seus
próprios grupos, deslocavam-se e faziam suas conexões, inventavam, imitavam,
produziam situações diversas e criavam seus jogos simbólicos.
Durante essas aulas, criamos
procedimentos em que o faz-de-conta
caracterizava as brincadeiras
infantis, em que as crianças interpretavam e inventavam realidades a partir do
movimento da imaginação, onde caracterizavam personagens, modificavam o
ambiente, arquitetavam situações e cenários que pudessem dar vida às suas
brincadeiras. Traziam elementos de seu cotidiano para experimentação e criavam
um canal entre elas e o mundo que as cerca.
Para Freire (2002, p.119)
O
jogo é uma coisa nova feita de coisas velhas. Quem vai ao jogo leva, para
jogar, as coisas que já possui que pertencem ao seu campo de conhecimento, que
foram aprendidas anteriormente em procedimentos de adaptação, de suprimento de
necessidades objetivas. Os ingredientes do jogo, portanto, são as coisas velhas
fechadas pela objetividade que marcou sua aprendizagem.
Nas brincadeiras, as
crianças podiam ser filhinhos, mamães, papais, instrutores de um parque de
diversão e outros personagens extraordinários, integrando vivências diversas
misturadas com as situações do cotidiano, da natureza, das histórias infantis,
incorporando-as em aventuras e eventos que extrapolavam o tempo e o espaço
numa, “[...] Confrontação de imagem com representação, com formas diversas e
variadas. Essas imagens traduzem a realidade que a cerca ou propõem universos
imaginários” (Brougère 1995 p.40).[8]
Nos momentos das aulas, as
crianças demonstravam que a todo o
momento elas se projetavam para um universo fictício, elaborando cenas em que
criavam diferentes formas de expressão, inventavam problemas e soluções,
estabeleciam relações, formavam elos de cooperação, de trocas e, algumas vezes,
de disputa, num jogo em que a fantasia e a realidade misturavam-se.
Construção do
projeto: Construir a fábrica de sonhos...
Nasce o projeto: Jogos
de Construção.
Justificativa:
As diversas fases
vividas pelo ser humano possuem características e finalidades próprias, sendo
importante que cada uma delas sejam vividas e respeitadas na sua totalidade.
Portanto a infância deve ser vivida na sua plenitude, respeitando suas
especificidades, e a percebendo como sujeitos de direitos.
Através do brincar e da sua participação à
criança interage com o meio e estabelece uma ponte entre os conhecimentos
universais e suas próprias idéias e hipóteses em relação ao mundo. A fantasia e
a imaginação são elementos fundamentais para que as crianças aprendam mais
sobre a relação entre as pessoas, sobre o eu e sobre o mundo.
Nosso trabalho tem
por objetivo principal trabalhar com a dimensão imaginaria das crianças, criar
conceitos matemáticos e apoiar as interações. E propor um trabalho junto as
crianças utilizando materiais que promovam criações através de construções
e brincadeiras como eixo norteador
desse processo de aprendizagens.
(...)
ora, se o jogo é assim tão importante é certamente, porque cumpre uma função
vital entre os humanos. O jogo tem a prioridade de trazer as experiências do
mundo exterior para o espírito humano, de maneira que, jogando com elas, a
cultura possa ser criada, revista, corrigida, ampliada, garantindo o ambiente
de nossa existência(...)
(FREIRE, 2002 p. 88)
O Jogo de construção
permite com que a criança materialize seus pensamentos e desenvolva processos
imaginativos. Se aproprie de sua criação tendo o poder de construir e
desconstruir. Ao brincar com o material terá oportunidade de manipular objetos
maiores e menores, com pesos variados, cores e formas diferentes, assim como
lidar com a estética e o belo.
Assim, é importante
lembrar-se da importância de permitir que a criança se deleite na oportunidade
de novas descobertas, de novas criações, nas quais o universo infantil esteja
sendo criado e recriado constantemente e nesse contexto próprio alimente suas
fantasias, competências, saberes, dizeres, sonhos e paixões.
Objetivos:
Estimular os
processos imaginativos.
Despertar na criança
o olhar estético.
Trabalhar conceitos
matemáticos.
Promover as
interações.
Trabalhar as
múltiplas dimensões humanas e as diferentes linguagens de expressão.
Vivências sugeridas:
Apresentação do
material.
Brincar livremente
com o material.
Trabalhar com as
histórias infantis (Três porquinhos, Cabra-cabrez, Bruxa Salomé etc.)
Sugerir a construção de sua
própria casa.
Sugerir a construção da
creche.
Sugerir a construção de
passeios.
Brincar
com as brincadeiras populares.
Metodologia:
O material será explorado
de diversas formas, com construções por cores, formas e tamanhos.
A organização das crianças
poderá ser individual, dupla, ou em grupo.
A professora mediará à
atividade sempre com questões referentes às construções das crianças.
Serão utilizados registros
escritos, fotográficos e fílmicos criando assim uma documentação pedagógica.
Avaliação: será realizada através da
documentação pedagógica ( diário de campo com imagens)
Alguns registros
desses momentos:
A ação pedagógica :
02 de abril
Tema:
Explorar o material “caixas”( jogos de construção)
Objetivos: Construir conforme as
cores.
Promover a organização de
grupo.
O início do dia de
hoje foi bastante rico, pois novamente estava em um espaço onde me reconheço,
sinto uma sensação de pertencimento muito forte a este lugar e ao papel que
ocupo diante dessas crianças.
Fizemos uma roda
onde conversamos sobre o projeto, sobre a utilização do material, sobre a forma
de brincar. Sugeri que podíamos construir livremente com este material, como se
ele fosse um lego gigante, onde os nossos pensamentos poderiam se materializar.
A sala começou a de
repente a ficar colorida, pedi a colaboração das crianças para organizarmos o
material no centro de nossa roda. A empolgação infantil, e a euforia de muitos
tomaram conta deste momento. O inesperado, o diferente, os leva a explorar o
material de diversas formas. Neste momento sentimos a necessidade de dividi-los
em grupos, então comecei a separar o material por cores. Algumas crianças não
reconhecem as cores, então enfatizamos e repetíamos que os lados estavam
determinados por esta ou outra cor. As crianças separaram-se pela escolha das
cores, algumas preferiram o vermelho, outro amarelo e assim foi.
Perguntei o que
poderiam construir, muitos falavam em castelos, mas percebemos que ao final
todas fizeram prédios, e repetiam exatamente o que o primeiro grupo relatou.
Avaliamos como
positiva o primeiro contato, mas durante a brincadeira necessitou de
intervenção constante dos profissionais, a empolgação que o material
proporciona, a euforia e até mesmo o descontrole em alguns momentos mostrou ser positivo , pois as descobertas
muitas vezes criam um certo
deslumbramento por parte das crianças.
O trabalho coletivo
também revelou um lado de trocas com todas as adversidades, brigas,
colaboração, a presença de lideres na construção e até mesmo o desinteresse por
parte de algumas crianças.
O trabalho teve um
desvio no planejamento elaborado previamente, pois ao sugerir de unirmos o
material e construirmos algo junto, uma criança falou: - Vamos construir a casa
da Cabra –Cabrêz? E começou uma grande movimentação por parte das crianças, não
falavam, apenas empilhavam. Comecei a perguntar onde seria a porta, janela,
como era a Cabra -Cabrêz, que a casa
teria que ser muito forte, pois ele adorava derrubar portas.
A história foi
bastante longa, imitava a Cabra-Cabrêz e a adrenalina das crianças crescia a
cada vez que o personagem aparecia. “-A casa é colorida, bonita e forte,
protege crianças que tem medo do cabra,” assim uma criança falou. A brincadeira
durou aproximadamente uma hora, as crianças construíam de forma à aprimorar o
esconderijo, algumas colocavam as caixas perto de mesas e perto das
prateleiras, escondendo-se e criando um ambiente de fantasias. Pareceu-me que o
material ficou preso a esta história. A produção textual das crianças:
O Cabra-cabrêz
A mamãe disse para o filho não abrir a porta para
ninguém. O filho abriu a porta e foi na rua brincar. O Cabra- cabrêz entrou na
casa. Quando o menino voltou o Cabra- cabrêz não deixou ela entrar. O menino
chamou o gato para ajudar, o gato não conseguiu porque o Cabra- cabrês gritou:
- Eu sou o Cabra- cabrêz se eu te pego te parto em três.
O gato fugiu e o menino chamou o cachorro. O cachorro
fugiu e o menino chamou o cachorro. O cachorro fugiu e o menino chamou o
coelho. O coelho fugiu e o menino chamou o urso. O urso fugiu e o menino
chorou.
Daí veio a formiga e disse que iria ajudar o menino.
Aí o Cabra- Cabrêz falou:
-Eu sou o Cabra-Cabrêz eu te pego e te parto em três.
A formiguinha falou:
- Eu entro no teu umbigo e te como inteirinho.
O Cabra- Cabrêz
ficou com medo e fugiu.
O objetivo era explorar o material por isso
trabalhei apenas com as caixas, conversei com a professora sobre as primeiras
impressões, ela relatou que o material é poderoso pelo tamanho, pelas cores e
pela possibilidade de mudar o seu objetivo inicial. As crianças deram um
significado unindo a construção a uma história contada na sala. Materializando
de alguma forma aquilo que elas imaginaram da história.
Para Freire, (2002,p.119)
O jogo é uma coisa nova feita de coisas velhas. Quem
vai ao jogo, leva, para jogar, as coisas que já possui que pertencem ao seu
campo de conhecimento, que foram aprendidas anteriormente em procedimentos de
adaptação, de suprimento de necessidades objetivas. Os ingredientes do jogo,
portanto, são as coisas velhas fechadas pela objetividade que marcou sua
aprendizagem.
Próximos Passos:
Planejamos para a próxima
aula continuar a exploração do material
deixando que as
crianças brinquem livremente, mas colocarei um elemento novo, no caso: as
tampinhas.
A ação pedagógica
Dia: 4 de abril de
Tema: Construir com
tampinhas
Organizamo-nos na
roda para conversamos sobre a proposta do dia. Algumas crianças mostravam-se
curiosas para saber o que havia no saco escuro. Então falei do material e
reforcei a importância de cuidarmos, e da responsabilidade de guardar após o
término da atividade.
Mostrei de que forma
poderíamos brincar. Então coloquei as tampinhas no centro da roda, as crianças
dividiram as tampinhas entre elas de uma forma bastante tranqüila, as
construções as fizeram se concentrar de uma maneira impressionante. Observamos
que com as caixas as crianças tinham muita pressa em construir, diferentemente
das tampinhas, que procuravam desenhar no chão de forma detalhada.
Percebemos que no
inicio todas as produções eram parecidas (casa, foi o exemplo que dei no inicio
da aula), mas aos poucos as crianças foram realizando diferentes figuras,
muitas delas somente elas nos poderiam explicar como: o mar, as pedras no
caminho, céu, martelo.
R. (professora
regente) informalmente conversava com as crianças e perguntava sobre as
produções, nesta aula ela anotou as vozes das crianças.
Recolha das vozes:
T.: Construiu casa,
martelo.
P.: Pedras, e um
peixe cheio de dente.
K.: Céu, flor.
M.: Uma banheira e
uma flor.
E.: O sol, flor,
qualquer coisa que não é feia.
A.: Tó fazendo
depois eu mostro.
A.: È um circo, este
é o caminho, aqui mora o palhaço e aqui as pessoas sentam.
M. : Só uma boneca.
A.: Uma casa.
C.: Não é assim, tem
que coloca tudo assim bem de lado, Lê?
S.: Eu também tó
fazendo uma flor e aqui tem um sol , uma nuvem è que flor não vive sem sol e nuvem.
M.:- É uma piscina,
e aqui é um ônibus ele enche de gente.
L.:- Nada só
coloquei aqui.
R.:- O mar a onda, a
muita coisa.
G.: -Skate, casa,
flor.
A.:- Agora eu to fazendo
grama ( observamos que todas as tampinhas eram verdes)
A.: - É uma
borboleta.
L.: - Olha o que eu
fiz uma baciona.
B.:- Não sabe o que
fez.
L.:- Vou fazer um
joguinho.
D.:
-Fez um carro mudando a posição das tampinhas( rodas não estavam deitadas e sim
em pé)
M.:-
Barco, flor ( Messias ainda não se adaptou a creche chorou no inicio e precisoi
de atenção para sua construção)
N.:- Tapete, coelho,
casa.
E.: - Há, fiz um
monte de coisa.
M.: - Casa com
janela e porta, carrinho de bebê, coelho.
L., C. e R.: criaram
um joguinho da memória (ficamos observando, construíram regras do jogo, e cada
uma escolhia uma cor no qual precisavam pegar na próxima rodada a mesma cor)
Observamos que o
trabalho começou de forma individual, mas aos poucos as crianças iniciaram suas
“conexões”. D. e M., E. e A., G. e L.. As crianças conversavam muito entre si e
trocavam informações sobre suas
produções.
No final guardamos
as tampinhas, fizemos a roda e conversamos sobre a aula, as crianças
relembraram as criações e um deles perguntou: “- Nossas obras ficaram bonitas,
né Geisa? “ ( G.)
Avaliação dos
profissionais: ( professora regente e professora educação física)
Foi bastante
positivo o dia de hoje descobrimos o quanto este tipo de material pode
estimular a imaginação e a criatividade das crianças. A professora regente nos
chamou a atenção de como as crianças se concentraram no inicio do trabalho.
Como o material tão simples pode tornar-se um brinquedo interessante e
estimulador. Percebemos que no inicio as crianças não sabiam bem o que fazer, e
que suas criações não apresentavam muitos detalhes, mas aos poucos algumas
crianças criaram diversos desenhos que destruíam e construíam. Notamos que
algumas crianças não queriam falar sobre o que tinham feito, outras contaram em detalhes. Mas uma
vez percebemos que o brinquedo tem o poder de transformação, de mudar o que já
está feito.
Para próximo encontro iremos brincar novamente
com as tampinhas pois as crianças relataram que gostaram muito desta aula,
então sentimos a necessidade de colocarmos alguns desafios:
construir por cor e quantidade
determinada, e explorar a construção livre com cores determinadas.
Piaget (1966)
salientou:
“As crianças só tem um entendimento real daquilo que
elas próprias inventam, e sempre que tentamos ensinar-lhe alguma coisa muito
rapidamente nós a impedimos de reinventá-la por si mesmas.”
Por concordar com
Piaget, pensamos na necessidade de repetirmos as brincadeiras junto às crianças
para que elas possam ter seu próprio tempo de aprendizagens. E com isso, sempre
incentivar a ousadia e a descoberta do
novo.
Algumas fotos do trabalho
realizado:
Construir
conhecimento significa sujar as mãos, saltar no meio de tudo, cair de cara no
chão e ir além de si mesmo... (Léo Buscaglia)
[1] FREIRE, João Batista; SCAGLIA, Alcides José. Educação como prática corporal. São Paulo: Scipione 2003
[2]
FREIRE, João Batista. Educação de corpo
inteiro: teoria e prática da educação física. São Paulo: Scipione, 1989
[3] KISHIMOTO Tizuco M. O jogo e a educação infantil. São Paulo, Livraria Pioneira Editora,
1994.
[4]
SCAGLIA, Alcides José.
Investigações preliminares sobre o
brinquedo. Revista modular. Vol 1.nº
3. Caraguatatuba, SP: Faculdades Integradas Módulo, 2004
[5]
Brincadeira, jogo de representação, jogo simbólico, de papéis, protagonizado, enredo são entendidos nesse trabalho com o mesmo sentido.
[6] BACHELARD Gaston. O direito de sonhar. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1994.
[7]
Expressão verbal de uma criança durante
a aula.
[8] BROUGÈRE Gilles. Jogo e Educação. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1995.